Investigar trata-se de ação inerente ao ser humano, que precisa, antes de decidir que caminho trilhar, examinar com atenção todas as variáveis que permeiam o objeto da pesquisa.
Segundo o léxico Houaiss, investigação “é o conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito.
Não se pode olvidar que a investigação deve respeitar a instrumentalidade do processo que é um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais insculpidos em nossa Constituição Federal.
Neste passo, pela experiência profissional no campo da advocacia e para clarificar à questão, passo a tratar do assunto de uma maneira “enxuta” e menos técnica possível para que o leitor possa entender, tirar suas conclusões e formar sua opinião.
Quando tratamos de processo, temos que sempre lembrar que no final do processo o Réu/Investigado pode ser julgado e culpado de um crime, e se a instrumentalidade do processo não for devidamente respeitada, pode haver um condenação injusta e até mesmo correr o risco haver a condenação de um inocente.
Sendo assim na busca da autoria da conduta apurada, um dos meios utilizados é o reconhecimento fotográfico que não é previsto em lei e se trata, no fundo, do “jeitinho brasileiro” aplicado ao processo penal.
O reconhecimento do acusado através de fotografias não encontra previsão legal. Porém, seja em virtude do princípio da busca da verdade, seja por força do princípio da liberdade na produção das provas, tem sido admitido pela doutrina e pela jurisprudência, sendo considerado espécie de prova inominada, muito embora meu posicionamento pessoal seja totalmente contrário tendo em vista que tal protocolo de reconhecimento delira das prescrições legais, fato esse que corrompe, no mínimo, sua legitimidade perante o prisma do princípio da legalidade.
Quando há o reconhecimento pessoal, deve-se por pessoas semelhantes perfiladas ao principal suspeito, no momento do reconhecimento, previsão essa que busca, evidentemente, evitar a indução do reconhecedor a atrair-se pela figura da pessoa que seja mais conformada às suas linhas mentais.
Já no caso de reconhecimento através somente da fotografia, como já mencionado, a jurisprudência pátria autoriza o reconhecimento fotográfico, aceitando como prova acusatória fotografias de suspeitos com as características do suposto criminoso.
A partir desse ponto a investigação criminal que deve buscar a verdade real pode ser contaminada, sendo que as pessoas tendem a ver e ouvir aquilo que querem ver e ouvir, influenciado na percepção do delito pelos estereótipos culturais (cor, classe social, sexo etc).
O Estado de Direito não tolera meras conjecturas e ilações como fundamento condenatório em ação penal, pois a prova deve ser robusta, consistente, apta e capaz de afastar a odiosa insegurança jurídica, que tornaria inviável a crença nas instituições públicas.
Na prática, muitas sentenças condenatórias são anuladas pois a vítima não confirma em juízo o reconhecimento fotográfico realizado na fase inquisitória, causando enormes prejuízos ainda mais quando há a decretação de prisão preventiva do suspeito já no início das investigações.
Para melhor entendimento vale citar Antônio Damásio:
“As imagens não são armazenadas sob a forma de fotografias fac-similares de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases. O cérebro não arquiva fotografias Polaroid de pessoas, objetos, paisagens; nem armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas de nossa vida; nem retém cartões com ‘deixas’ ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida. (….) Todos possuímos provas concretas de que sempre que recordamos um dado objeto, um rosto ou uma cena, não obtemos uma reprodução exata, mas antes uma interpretação, uma nova versão reconstruída do original. Mais ainda, à media que a idade e experiência se modificam, as versões da mesma coisa evoluem. (…) Essas imagens evocadas tendem a ser retidas na consciência apenas de forma passageira e, embora possam parecer boas réplicas, são frequentemente imprecisas ou incompletas.” DAMÁSIO, António R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Cia das Letras, 2012, p. 105-106.
Recentemente o STF no julgamento do HABEAS CORPUS 172.606 de relatoria do MIN. ALEXANDRE DE MORAES anulou condenação baseada apenas em reconhecimento fotográfico.
O ministro Alexandre de Moraes explicou que, para se atribuir definitivamente ao réu a prática de crime, são imprescindíveis provas produzidas pela acusação e submetidas ao contraditório e à ampla defesa, o que, segundo ele, não ocorreu no caso. “Durante a instrução judicial, o Ministério Público não produziu nenhuma prova sob o crivo do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, como bem destacado na decisão absolutória de primeiro grau”, verificou.